Hello, old Barto !
Dizem-me que foste de viagem e que, para o ano, já não vais poder honrar o cultivo rotineiro da minha memória, no repasto solene que o University College organiza para a Crabtree Society, nessa sagrada segunda terça-feira de Fevereiro.
Que raio de ideia ires-te agora, logo tu que tanto te empenhaste em que este pobre súbdito britânico que eu sou não caísse no olvido, ao longo dos últimos anos, na seriedade lúdica das discursatas dessas noites de “black tie”, com aquela detestável comida, apenas suplantada pelos álcoois que a faziam esquecer e animavam as noites. No fundo, e fora alguns penetras da Padânia, foste tu quem internacionalizou o evento, convidando até uma senhora de nacionalidade hesitante, que me dizem pintar muito bem, para além de outras veneradas figuras das letras, oriundas da tua Lusitânia natal.
Sabes, confesso que vou sentir a tua falta nessas jantaradas. É que, ao lado de alguns monos que por lá apareciam e se emborrachavam por dever de ritual, tu fazias a diferença, trazias o humor saltitante, aberto e franco de quem foi adolescendo com os anos. As mulheres – que a esses jantares estiveram por muito tempo impedidas de assistir – devem-te uma homenagem de gratidão por teres chefiado o difícil movimento para o respectivo acesso, embora más línguas logo dissessem que essa foi a solução que encontraste para não deixar em casa a Fernanda, sozinha com o Beagles e com a gata. Outros, mais lúbricos, dizem que o gesto não seria tão desinteressado, e que te empenhaste apenas com o objectivo de trazer umas caras bonitas para a mesa. Ingratidões, claro…
Também Sintra te vai estranhar, como sabes. Falaram-me muito das noitadas de fim de ano, onde, nos bons tempos, se assistia de um terraço aos fogachos lançados por uma tal Estrela e se bebiam tantas doses de scotch que, pelo menos uma vez, um diplomata qualquer até te terá levado uma garrafa “marada” (é assim que se diz em português, não é?). O meu querido Byron tem ainda a agradecer-te o jantar organizado no “Lawrence”, para onde trasladaste a Society, numa noite que ficou memorável. E em Sintra – e volto a citar quem por lá andou – seriam também famosas as almoçaradas de Agosto, tendo à volta os teus amigos de sempre e os novos amigos que o ficavam para sempre. Noto que nunca me convidaste, mas tudo bem…
Andavas agora mais pelos Algarves, perdido de amores por Tavira, onde me dizem que querias fixar a tua vida. Gostam muito de ti, por lá, e vais ter, com toda a certeza, a história da tua carreira fixada com carinho por esses teus novos vizinhos próximos da mourama.
Da política do teu país, Barto, estou seguro que não vais sentir falta. Os teus queridos cravos murcharam de vez e, dizem-me, o tal socialismo passou a ser uma palavra murmurada muito baixinho, um pouco a medo, não vão os Mellos e os Espírito Santos de orelha ouvirem. O teu querido país de Abril foi-se, sem martelo, para tristeza de quem, como tu, até teimava em viver em Londres perto do túmulo do velho Karl. Aqui entre nós, conhecendo-te, eu acho que do teu PCP apenas achavas graça ao Ruben, o qual, nas almoçaradas de Agosto, ia anunciando os amanhãs que já só assobiam nas festas do Avante.
Nas artes, Barto, receio que as “troupettes” da Slade fiquem incuravelmente saudosas do teu charme, praticado no meio das pedreiras de Pêro Pinheiro, onde foste ao mármore para a estação do metro. Aliás, nunca te agradeci a referência que me fizeste nessa biblioteca, como creio que o meu colega Medeiros também o não fez, segundo me disse um amigo dele, o Hélder.
A minha única alegria, Barto, é que agora vou ter mais oportunidade de te encontrar. Sendo eu um cidadão da memória, e sabendo nós que ficarás para sempre na que os teus amigos de ti conservarão, acho que vamos ter o muito que nos resta para além da vida para trocarmos graças sobre quem fica lá por baixo. Vamo-nos rir muito e, de certo, vamos contar por aqui com a ironia ácida do Knopfli e de outros conhecidos que cada vez mais se nos juntam para esse nosso festim fora do mundo. Aliás, esta vida são, ou foram, dois dias – e até eu, que a não tive, aprendi contigo que é nas noites de que tu tanto gostavas que tudo se cria.
Até breve, old chap
Joseph Crabtree
(Tradução de J. Fonseca, por cedência do teu amigo JC)