"That was due to Crabtree's expertise and flair during a wine tasting that lasted until sunrise, and that is still remembered in the neighbouring town of 'Vila Real´as the "Night of the Englishman', that Don José Mateus first realised the potential of his Estate's Rosés as suitable for the English palate"

Santos, Bartolomeu dos, 'Joseph Crabtree and the Caliph of Fonthill', 1985, in The Crabtree Orations (1954-1984), ed. Brian Bennett & Negley Harte, The Crabtree Foundation, London, 1997
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29.5.08

In Memoriam - José Cutileiro

Expresso

1931-2008 Considerado o gravador português mais importante e apreciado do século XX, dirigiu o departamento da Slade School of Fine Arts, em Londres, de 1961 até à reforma em 1996

Bartolomeu Vilhena dos Santos de seu nome de registo e Bartolomeu dos Santos desde quase a seguir à sua chegada à Slade School of Fine Arts de Londres (onde haviam andado Jorge Vieira e Paula Rego e andava nessa altura João Cutileiro) em meados da década de cinquenta do século passado, conhecido antes disso como jovem artista português por Bartolomeu Cid, do apelido francês da avó paterna, inteligente e divertida, que lhe comprava aguarelas por vinte mil reis cada uma quando ele era ainda o Babalhú, andava a tirar o curso do liceu na Escola Valsassina, a duas portas de casa, e ninguém levava a sua ambição a sério, morreu quarta-feira passada em Londres, e foi, para o geral das pessoas que apreciam artes plásticas, o gravador português mais importante e apreciado do século XX cujas obras - gravuras tiram-se em séries - ficarão a ilustrar paredes nas casas dos seus muitos clientes e admiradores e em galerias e museus por esse mundo fora. Tendo sido convidado a suceder ao inglês Anthony Gross na chefia do departamento de gravura da Slade em 1961 e aí se mantendo até à reforma em 1996, relançou essa arte menos vistosa do que a pintura e a escultura e criou gosto público renovado por ela. Pintores conhecidos contemporâneos fizeram também gravuras mas estas aparecem nas respectivas obras como parentes pobres. Não foi assim com Bartolomeu - Barto, na Inglaterra onde trabalhou tantos anos da sua vida e onde teve três filhas.

Críticos escreveram e escreverão sobre a sua arte. Leigo que sou, olhando para algumas gravuras que ao longo dos anos fui trazendo para casa e para outras em exposições ou em casa dele, atingem-me sempre duas coisas. Uma é - por falta de melhor termo - uma espécie de sopro poético, um arrebatamento que sinto mais forte ainda nas vistas de rios ou de mares, com em sem árvores; outra, quase constante, mais ou menos explícita, é o sentido da presença da História. Ao lado da obra de arte há o artista e, nesse seu papel, o que havia de melhor no Bartolomeu era a sua completa falta de pretensão. Lembro-me de um episódio típico. Em 1968 ou 69 fui ter com ele um fim de tarde ao seu ateliê na Slade, onde aprontava uma gravura, rectângulo comprido posto na horizontal, com o Tamisa à noite e o recorte de construções na margem, peça magnífica de serenidade e inspiração mesmo antes de acabada. Levantando entre o indicador e o polegar da mão direita uma rodela de cartolina, Bartolomeu perguntou, com voz de palco, entre retórico e interessado na resposta: “Ponho uma lua ou não ponho uma lua?”.

A História não se afirma só nas suas gravuras; vivia constantemente com ele. Era coleccionador inveterado (houvera outros, no lado Vilhena da família) e muito do que juntava tinha a ver com os lugares e as pessoas do seu passado, gostos e manias dessas pessoas, as suas próprias predilecções ao longo da vida. Era exaustivo e metódico. Há poucos anos mostrara-me dois bilhetes da Panam Faial-Lisboa, para o avião Clipper, que o pai, médico militar na Horta durante a guerra, não chegara a usar, guardados na «pochette» original da companhia. De resto, errar entre livros e objectos na casa de Sintra era deambular pelo passado histórico e cultural da Europa (incluindo da Alemanha; os pais, coisa rara entre nós, tinham-lhe mandado ensinar alemão e música).

Ter o Bartolomeu perto era viver em festa. Grande e gordo aprendera desde novo a ter charme com isso em vez de se atrapalhar. As mulheres gostavam dele. Amigos juntavam-se à sua roda: o almoço em Sintra no sábado mais perto do dia dos seus anos - 24 de Agosto - entrara no calendário de Verão de muito boa gente. Desde comunistas como ele - aos 17 anos punha a ‘Internacional’ no «pick-up» aos berros, com a janela aberta, na esperança (vã) que sentinelas de um departamento da marinha ao lado a passassem a assobiar - até cépticos conservadores como eu. De há um tempo para cá passámos a beber pelos que nos tinham deixado desde a festa do ano anterior. Este ano vamos beber por ele.