In Sintra do Avesso, por João Cachado
Fui ontem à Assembleia Municipal de Sintra, fundamentalmente, lembrando como não deve tardar a homenagem pública que é devida a Gabriela Llansol e Bartolomeu Cid dos Santos.
Homenagem pública é aquilo que toda a gente sabe. Pode revestir diferentes figurinos mas sempre perspectivará a apropriação comum da memória de alguém que, não fora essa atitude cívica e pública, permaneceria na penumbra de gabinetes, estudado por iniciados, pois muito dedicados à causa da divulgação da obra do homenageado, mas algo distantes da realidade quotidiana do vulgar cidadão.
Oxalá me engane mas parece-me que, no caso de Gabriela Llansol, escritora absolutamente excepcional, em toda a acepção do termo, mas algo difícil de acesso para o leitor comum, o que está a acontecer em Sintra coincide com o que venho de escrever na parte final do parágrafo precedente. Com a melhor das intenções - não o nego e até sublinho com o maior apreço - a Câmara Municipal e um grupo de estudiosos do mais alto gabarito para o trabalho que se propõe sobre o espólio de Llansol, arriscam-se a concretizar uma tarefa altamente meritória, cujo fim essencial é a divulgação da obra da escritora mas, receio, durante demasiado tempo, afastados do público. Enfim, veremos.
Quanto a Bartolomeu, lembrei aquilo que ele próprio, várias vezes, me disse constituir um desgosto que gostaria pudesse ser remediado. Já o assinalei na evocação que sobre o meu amigo escrevi neste blogue em 26 de Maio, também publicado pelo Jornal de Sintra quatro dias mais tarde. Refiro-me ao lamentável estado de degradação da casa de Mily Possoz (1889-1967), que morreu em Sintra, hoje esquecida artista com um lugar tão interessante e original na história do movimento modernista português.
Não sei até que ponto a Câmara Municipal de Sintra poderá intervir no sentido de ir ao encontro da vontade de Bartolomeu. Mas, facto curioso porque constituiu coincidência de propósito, ontem, na mesma sessão da Assembleia Municipal, a CDU aporesentou um projecto de homenagem que me parece preencher todos os requesitos, ou seja, da possibilidade de atribuir o seu nome ao recém inaugurado Centro Cultural de Mira Sintra.
Muito naturalmente, o Presidente da Junta de Freguesia de Mira Sintra, solicitou que a proposta fosse presente ao colectivo da autarquia a que preside no sentido de colher o seu parecer. Trata-se, naturalmente, de uma formalidade que, de qualquer modo deve ser enaltecida como louvável prática democrática. Não tenho a menor dúvida de que os fregueses de Mira Sintra vão sentir-se altamente honrados com a homenagem que, por essa via, Sintra presta a um dos mais prestigiados artistas portugueses, pintor, gravador do mais alto nível, professor e director de uma das melhores escolas de artes plásticas em todo o mundo.
Artista eminente, grande senhor da cultura portuguesa, Bartolomeu Cid dos Santos vai permanecer entre nós, em Mira Sintra, num centro cultural que, acolhendo tal patrono, dá um inequívoco sinal de investimento nos valores da grande Arte e no respeito pela tríade matricial da cultura moderna, da Liberdade, Igualdade e Fraternidade que ele tanto prezava.